No último texto “vida das aves: como as aves cortejam?” falamos sobre os rituais e exibições para atrair a fêmea para cópula. A técnica da dança levantou a questão: quem vence o embate? Quem, de fato, consegue atrair a fêmea? No primeiro artigo da série “ornitólogo responde” iremos abordar essa questão levantada inicialmente por nosso leitor Douglas Xavier.
O fato é que o ritual de corte, principalmente nas espécies em que vários machos performam ao mesmo tempo, possui outros elementos além da dança que são considerados na “escolha” de acasalar. Para entender um pouco mais, vamos explorar o exemplo dos tangarás (Chiroxiphia caudata).
O misterioso universo das danças dos tangarás envolve uma complexa hierarquia entre os machos. Nesse sistema, existem alguns machos que são superiores em relação aos outros. Essa relação é determinada por interações agonísticas na ausência das fêmeas (ver post dicionario de passarinho: termos de ornitologia com a letra A), ou seja, pela forma que os machos interagem entre si. A dominância geralmente perdura por anos, sendo que na maioria das vezes o indivíduo mais velho ocupa a posição mais elevada no grupo.
Existem três categorias para os machos: alfa, beta e gama. Gama são os machos mais jovens, que estão presentes nos territórios e participam das danças principalmente quando a fêmea não está presente, ou seja, nas danças de “ensaio”. Essa é a categoria mais baixa na hierarquia. O beta participa apenas da dança em grupo, sendo a categoria sucessora. O alfa atua como sentinela, vocalizando para atrair a fêmea e, além de dançar em grupo, também desenvolve uma dança solo, onde ocorrerá a cópula. Isso significa que apenas os machos alfa copulam! Como os alfas são geralmente os indivíduos mais velhos e, portanto, melhor treinados, possivelmente eles desempenham uma dança melhor, mas isso não é realmente o diferencial. Mesmo se ocasionalmente um outro macho dançar melhor em uma performance isolada, o macho alfa será o responsável pela cópula, porque apenas ele participa da corte solitária.
A dança cooperativa, já descrita no último artigo da revista, consiste em uma aliança entre os machos para aumentar a atração das fêmeas para os leks. Mas por que então os machos se reúnem, mesmo que apenas o macho alfa consiga copular? Para os machos alfas o benefício é claro: performar em grupo é mais eficiente do que performar sozinho, porque atrai mais atenção das fêmeas. Para os machos de menor hierarquia existe o benefício de aprender observando o dominante e ir aumentando o seu desempenho, de forma a diminuir o interrompimento de danças e ter um maior sucesso reprodutivo.
Nos tangarás existem dois tipos de leks: os leks principais, onde há maior presença de fêmeas e que o grupo é melhor estruturado, contendo no mínimo três machos; e os leks secundários, menos apreciados pelas fêmeas – possivelmente pela baixa qualidade das danças ou pela baixa taxa de vocalização dos machos. Nos leks principais o alfa é fixo e não performa em mais nenhum outro lugar. Já os leks secundários possuem alfas que são betas ou gamas nos leks principais. Ou seja: um macho de baixa hierarquia pode participar em vários leks e podem ser alfa em leks secundários. Naqueles locais em que são o alfa, não estão presentes tempo suficiente para vocalizar e atrair as fêmeas, o que contribui para uma baixa visita delas nessas áreas. O interessante é que as fêmeas são fiéis aos palcos de exibição e voltam todo ano ao mesmo local para copular, logo um lek com machos alfas ativos terão maior sucesso e receberão visitas mais frequentes durante vários anos.
Mas fica a questão: o que acontece quando o alfa some? Para o tangará é descrita uma hierarquia de dominância linear, em que o sucessor assume o posto de alfa caso ele desapareça. Isso significa que um macho beta subiria de status, ocupando o lugar do macho principal. Entretanto, isso não é uma regra! Existem relatos onde machos que eram gamas em leks principais e alfa em leks secundários “pularam” a categoria de beta nos leks principais, assumindo o cargo mais alto.
Os sistemas de acasalamento e cortejo escondem um universo de relações comportamentais das espécies. Redes sociais complexas que envolvem vocalizações e comportamentos físicos entre os indivíduos compõem um elaborado complexo que vai muito além das danças. Para a pergunta do começo “quem dança melhor vence o embate?”, a resposta é: nem sempre! Como visto, os machos alfas são quem copulam, então não existe de fato uma competição entre eles para disputar as fêmeas e sendo assim, as cópulas de uma mesma área vão estar centradas em um mesmo indivíduo.
Depois do esforço dos machos para a cópula, as fêmeas cuidam de todo o resto: construção do ninho e cuidado com os filhotes.
Gostou da explicação sobre a relação entre os machos de tangará? Então deixe abaixo seu comentário. Se tiver alguma dúvida sobre algum de nossos artigos que queira uma explicação mais detalhada basta entrar em contato com a gente!
Referências Bibliográficas:
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Olha só que interessante, achei muito bom.