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  • Foto do escritorLiara de Azevedo

#2 Vida das aves: As diferentes técnicas de cortejo das aves brasileiras - parte I

Cores extravagantes, adereços rebuscados, interações sociais, sons vocais e instrumentais, compõem elaborados rituais de exibição no mundo das aves. Tudo é válido na árdua tarefa de atrair a fêmea para a cópula e conseguir passar seus genes para as futuras gerações. O processo de corte é tão intenso para algumas famílias de aves que acabou selecionando padrões morfológicos únicos, fazendo com que hoje tenhamos espécies com machos de cores excêntricas e adornos nas plumagens, como é o caso do galo-da-serra (Rupicola rupicola).


A corte pode acontecer de diferentes maneiras, desde a emissão de sons diferenciados, posicionamento corporal incomum - mostrando partes que geralmente se encontram escondidas e, até mesmo, com aglomeração de indivíduos realizando movimentações repetitivas, o que a chamamos de dança.


Talvez o exemplo mais conhecido de rituais de acasalamento seja o das aves do paraíso, pássaros da família Paradisaeidae naturais, principalmente, de Nova Guiné e Austrália. No Brasil, as espécies da família Pipridae são as mais conhecidas pelos elaborados repertórios de exibições. Um exemplo clássico de ritual de cortejo é o realizado pelo tangará (Chiroxiphia caudata), também chamado de tangará-dançador. Essa espécie, assim como outros piprídeos, se reúne em arenas onde vários indivíduos se encontram para, juntos, performarem. Essa agregação de machos é chamada de lek.


No caso do tangará, cerca de três a cinco machos se posicionam em um poleiro, ao lado de uma fêmea que permanece imóvel durante toda a exibição. Os machos, um a um, seguindo a ordem, levantam voo de frente para a fêmea e retornam para o fim da fila. Nesse processo, pousam com o corpo para o lado oposto dos demais e depois retornam para a mesma posição dos outros machos do poleiro [1]. Além da repetição dos movimentos, o ritual também acompanha manifestações sonoras que são perceptíveis de longe aos ouvidos atentos. E um ritual tão elaborado precisa ser ensaiado! E para isso, os machos realizam a exibição entre si, sem a presença da fêmea.

Exibição coletiva - dança - do tangará (Chiroxiphia caudata)

No caso do tangará em que os machos estão agregados fisicamente e um está vendo o outro, temos os leks chamados clássicos. Entretanto, algumas espécies cortejam em grupos sem que haja a interação visual ou que ela seja mínima: esses são os leks explodidos. Nesses leks as aves se comunicam auditivamente, com vocalizações distintas e distantes dos outros machos, apesar de na mesma arena. Esse é o caso do cabeça-de-ouro (Ceratopipra erythrocephala), tangará-príncipe (Chiroxiphia pareola), uirapuru-estrela (Lepidothrix serena) e várias outras espécies.


O local da corte varia entre as espécies, podendo acontecer em galhos altos e, até mesmo, no solo. O dançarino-de-garganta-branca (Corapipo gutturalis) realiza exibições diferentes no sub-bosque e no chão. Essa espécie geralmente se exibe em troncos caídos em grupos de pelo menos dois machos (mas geralmente esse número varia de cinco a oito) que vocalizam e interagem no processo. Os machos de C. gutturalis voam do poleiro ao chão emitindo vocalizações e ao aterrissar, pousam com a garganta exposta para fora, mostrando a cor branca. Então o macho voa para o outro lado, passando por cima da fêmea e pousando na mesma posição mostrando a garganta. Depois abaixa a cabeça e, tremendo as asas e mostrando o branco escondido das penas, rasteja para trás em direção a fêmea. Logo após o macho retorna ao poleiro e realiza novamente toda a sequência, podendo, ou não, finalizar com a cópula [2].

exibição do dançarino-de-garganta-branca (Corapipo gutturalis)

Outra espécie que utiliza tanto galhos no sub-bosque quando áreas no chão é a rendeira (Manacus manacus). Esse pássaro corteja de forma solitária com a produção de sons instrumentais produzidos pelo bater de asas. O macho tem um repertório com cinco etapas, sendo uma delas no solo. Isso acontece da seguinte maneira: a rendeira voa entre três poleiros com a garganta inflada. A quarta parada é no solo, onde mantém uma postura mais ereta, ainda com a garganta inflada, e realiza um voo para cima até o próximo poleiro [3]. Nesse voo, o bater de asas produz o ruído que é responsável, inclusive, pela origem de seu nome popular.


exibição da rendeira (Manacus manacus)

Alguns rituais de acasalamento são tão complexos que envolvem inclusive a limpeza do ambiente da corte. Espécies como a rendeira e o galo-da-serra limpam a arena para realizarem suas performances. Mas isso não é uma regra: o uirapuru-de-chapéu-azul (Lepidothrix coronata), por exemplo, não realiza esse ritual.


Apesar de a exibição conjunta ser muito comum, muitas espécies realizam o cortejo a sós. Como já citado, nas rendeiras o macho se exibe sozinho e, no caso dessa espécie, o display pode ser observado por outros machos que, em seus próprios terrenos, realizam a dança de forma síncrona, mas não em forma de cooperação. O tangarazinho (Ilicura militaris) também realiza seu cortejo sozinho, usando galhos grossos na copa das árvores como poleiros. A exibição do tangarazinho possui diferentes processos: (1) o macho, vocalizando sozinho no poleiro, infla as pernas vermelhas do uropígio; (2) empoleirado, em posição usual, o macho produz som mecânico pela movimentação das asas ao voar de um poleiro para outro; (3) com a postura de queixo para baixo o macho realiza dois saltos rápidos sobre a fêmea, finalizando com um (4) salto semicircular, restrito ao poleiro de acasalamento [4].

exibição do tangarazinho (Ilicura militaris)

Seja qual for o tipo de exibição, se é realizada de forma competitiva ou cooperativa, se envolve muitos machos ou se é feito de forma solitária, o fato é que o cortejo moldou durante milhares de anos o grupo das aves. Na família Pipridae, foco desse texto, os elementos presentes em cada uma das exibições definem, inclusive, a proximidade entre as espécies. Cada uma possui uma parte na corte que é exclusiva e compartilham com as espécies irmãs alguns comportamentos, sejam voos esteriotipados, vocalizações ou posturas. E devido a grande pressão sexual que essas espécies sofrem, o dimorfismo – machos e fêmeas esteticamente diferentes – é muito evidente: os machos são rebuscados e com cores extravagantes, enquanto as fêmeas são, geralmente, verdes e sem ornamentações.


Apesar de os exemplos mais conhecidos e estudados serem da família Pipridae, a corte não está restrita a esse grupo e nem a ordem Passerformes. Mas isso é assunto para outro texto.


Referências Bibliográficas:

  1. ANCIAES, M.; CERQUEIRA, M. C.; HAUSNER, N. S.; COHN-HAFT, M. Diversidade de piprídeos ( Aves : Pipridae ) amazônicos : seleção sexual , ecologia e evolução. n. October 2014, 2009.

  2. CASTRO-ASTOR, I. N.; ALVES, M. A. S.; CAVALCANTI, R. B. Display behavior and spatial distribution of the White-crowned Manakin in the Atlantic Forest of Brazil. Condor, v. 109, n. 1, p. 155–166, 2007.

  3. DARNT, I. THE DISPLAY OF THE MANAKIN M. MANACUS. By. v. 24, n. 0, p. 52–58, 1957.

  4. DURÃES, R. Lek structure and male display repertoire of blue-crowned manakins in eastern Ecuador. Condor, v. 111, n. 3, p. 453–461, 2009.

  5. DURÃES, R.; BLAKE, J. G.; LOISELLE, B. A.; RYDER, T. B.; TORI, W. P.; HIDALGO, J. R. Vocalization activity at leks of six manakin (Pipridae) species in Eastern Ecuador. Ornitologia Neotropical, v. 22, n. 3, p. 437–445, 2011.

  6. FOSTER, M. S. Cooperative behavior and social organization of the Swallow-tailed Manakin (Chiroxiphia caudata). Behavioral Ecology and Sociobiology, v. 9, n. 3, p. 167–177, 1981.

  7. MORALES, M. B.; JIGUET, F.; ARROYO, B. Exploded leks: What bustards can teach us. Ardeola, v. 48, n. 1, p. 85–98, 2001.

  8. SNOW, D. W. A field study of the black and white manakin, Manacus manacus, in Trinidad. Zoologica : scientific contributions of the New York Zoological Society., v. 47, n. 8, p. 65–104, 1962.

  9. TOLENTINO, M.; ANCIÃES, M. Display above courts of White-throated manakins: A new view about its display behavior. Ethology, v. 126, n. 8, p. 844–850, 2020.

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