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  • Foto do escritorRoney Souza

#04 Laboratório de Ornito: Como fragatas dormem enquanto voam?

Atualizado: 28 de abr. de 2022

Voar é liberdade. É escorregar na infinitude do lábaro azul sem manter contato físico com os limites. É desenhar uma parábola num plano cartesiano deslizando-se para longe do eixo X. É navegar num universo tridimensional desafiando as forças que te prendem à realidade bidimensional do caminhar, suportado pela força quase sobrenatural da coluna de ar. Mas, para muitas aves, essa liberdade acaba por mantê-las aprisionadas num constante voo entre o azul infinito do céu e o azul profundo do mar, que formam um gradiente de incontáveis tons de azuis, mesclando fluidos e proporcionando nenhum apoio sólido.

Locomover-se em fluido é como manejar um trem sem trilho: precisa-se de atenção e controle constantes. Quem já presenciou a revoada das andorinhas numa tarde de verão sabe que, ao final do dia, quando o sol recolhe seu brilho por detrás das montanhas, o universo tridimensional do voo tem de dar lugar ao aconchego do bidimensional para que os vivazes olhos, que cortaram a brisa da liberdade durante o reino da luz, possam se fechar e dar descanso ao cérebro e ao corpo. Mas o que fazer quando não se tem apoio para recolher-se ao conforto do bidimensional? O que fazer quando não se tem apoio sólido para os pés?

Esse é um problema enfrentado por diversas aves, particularmente aquelas pelágicas, que fazem do vento o seu trilho, deslizando-se sobre as arestas das ondas como um trem que serpenteia por entre os outeiros. Essas aves não podem se dar ao luxo de fechar os olhos e recolher a cabeça debaixo das asas no conforto de um poleiro. Descansar sobre as águas é um risco que algumas espécies, como as fragatas, não podem correr, visto que não apresentam isolamento hídrico suficiente.

As fragatas mantêm uma relação interessante com o sono. Dormem pouquíssimo quando estão errantes passeando por entre os azuis. Só têm a possibilidade de dormir bem quando estão em terra. Durante suas excursões pelo oceano, passam muitos dias sem pôr os pés em substrato sólido, sendo obrigadas, assim, a dormir em pleno voo, cobertas pelo lençol da brisa marítima. Utilizam-se de um recurso que parece surreal: descansam cada hemisfério do cérebro por vez, mantendo o outro desperto. O olho correspondente ao hemisfério desperto é mantido aberto, guiando a ave em voos circulares sobre o mar aberto. [1] Esses momentos de descanso não duram mais do que poucos minutos e ocorrem geralmente à noite. Apesar de menos comum, essas aves podem ainda desligar os dois hemisférios cerebrais ao mesmo tempo, o que é realmente incrível.

As aves são seres tão espetaculares que às vezes somos surpreendidos até mesmo pelos seus momentos de inatividade e descanso. Ou quase descanso. O mesmo voo que deu liberdade a essas aves e as libertou das correntes do universo bidimensional também as privou do sono com conforto. Seus momentos de descanso são restritos a curtos cochilos na fria e instável cama da ventania. [2]

Como fragatas (Fregata magnificens) dormem enquanto voam

Referência Bibliográfica

  1. Rattenborg, N., Voirin, B., Cruz, S. et al. Evidence that birds sleep in mid-flight. Nat Commun 7, 12468 (2016). https://doi.org/10.1038/ncomms12468

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